O dia de 21 de fevereiro deste ano marca 73 anos da heroica conquista de Monte Castello pela Força Expedicionária Brasileira.
Parte das iniciativas antecedentes da Ofensiva da Primavera, a investida das forças combativas integradas por patriotas de todo o território nacional marca o sexto ataque a este reduto da Linha Gótica, em um total de quase três meses de combates. As primeiras ofensivas, realizadas pela Task Force 45 do Exército americano, contavam com o apoio do III Batalhão do 6º Regimento de Infantaria da FEB, a contragosto do comando militar brasileiro.
O segundo destes ataques, a 29 de novembro de 1944, foi o primeiro a ser comandado pela força brasileira.
“Na subida de Monte Castello… aí é que eu senti o drama da guerra. Primeiro que você escorregava demais no morro, com chuva, barro, e metralhadora, e caminhão, tiro um atrás do outro. E o mais triste era você ver os companheiros mortos e passando de padiola, gemendo e gritando pelas suas mães. ‘Mamãe! Eu vou morrer, mamãe! Ah, mamãe… eu estou ferido!’ e isso causava na gente uma náusea, porque o medo causa náuseas. Mas você não pode parar, você não pode ficar agarrado com aquilo. Você tem que seguir em frente! Porque, se você não seguir em frente, você é um homem que os seus companheiros não vão (…) admirar amanhã. Vão te chamar de medroso. Então você tem que enfrentar.” (Antônio de Pádua Inhan, O Lapa Azul)
O Monte era conhecido na Idade Média como “Monte Leone”. Como constatou o historiador César Campiani Maximiano, seu batismo de “Monte Castello” deriva de um castelo erigido em seu topo no século XIII, que serviu de referência topográfica na região. O que restou desse castelo seria usado pelos soldados alemães para a construção de casamatas…
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Em janeiro de 1945, chegava à Itália a 10ª Divisão Americana. O alto-comando Aliado previa para a 10ª Divisão a tomada dos montes Belvedere e Gorgolesco, cabendo à 1ª Divisão Expedicionária o protagonismo em Monte Castello. A tomada dos dois montes pela 10ª Divisão foi realizada, respectivamente, nos dias 19 e 20 de fevereiro de 1945. Na madrugada do dia 21, o conjunto dos batalhões da Força Expedicionária da Pátria Brasileira realizou o ataque ao “Monte Castello”, “onde eu vi muito tedesco”. Narrou o veterano Cabo Francisco Conceição Leal que a fama da batalha deveu-se à boa posição dos combatentes alemães, posição esta, por sua vez, que lhes permitia ver todo o movimento dos Aliados.

Soldados da infantaria, desembarcando dos caminhõess em C. Viteline, antes de ataque a Monte Castello
O Monte Castello registrava a primeira batalha dos brasileiros nos Apeninos, “coluna dorsal” da Itália. Seu valor estratégico era imprescindível. A manobra permitia criar no comando alemão um dilema sobre deslocar ou não suas tropas para as montanhas, bem como facultava eliminar a observação inimiga da estrada 64 (Road 64), expondo-a ao tráfego seguro de suprimentos e tropas na direção de Bolonha. Mais ainda, era possível expor a retaguarda totalitária à visão do inimigo sobre o vale do Po.
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Como colocou Fernando Lourenço Fernandes, a situação dos soldados brasileiros havia claramente evoluído nos meses do inverno. “Estavam então melhor aclimatados às intempéries e condições ambientais da montanha, ao cenário de guerra, às manhas dos alemães e àquilo que mais desnorteia o combatente novato, as barragens de artilharia e de morteiros”. Soma-se a isso o treinamento intensivo que receberam e continuarão a receber.
Mesmo assim, os supervisores do IV Corpo do US Army ainda não confiavam nos “sul-americanos”, “impacientes com aquele pessoal mestiço que custava a entender os regulamentos do U. S. Army, relutava em colocar as armas nas condições de limpezas exigidas, gente indisciplinada na aparência e na postura militar e que, ainda por cima, usava aquele maldito uniforme ‘alemão’ (verde), confundindo a Military Police”. A última preocupação foi resolvida com a adoção de jaquetas de combate para os militares brasileiros.
A investida do dia 21 teve início com ataques intensivos da Artilharia Brasileira e da aviação, o que permitiu abrir caminho para o avanço da Infantaria. Esse conjunto atordoou os soldados alemães, causando, como descrito por certos veteranos, o “desabamento” de suas defesas.
É verdade, porém, que o Monte Castello tinha uma guarnição formidável. Sua defesa era constituída por uma companhia alemã, que, à época, contava com cerca de 120 militares. Como narrou César Campiani Maximiano, as forças febianas enfrentavam metralhadoras pesadas que realizavam a defesa dos espigões do monte, “sem contar as metralhadoras leves, os tiros de precisão partidos de fuzis de atiradores de escol e as armas automáticas pesadas que se encontravam em outros pontos à direita do morro”. Um relatório detalhado constatou 42 espaldões de metralhadoras ao longo do Monte Castello.
Maximiano descreve, ainda, situações em que os brasileiros, constante e inevitavelmente, se encontravam expostos a três diferentes flancos, recebendo milhares de disparos de metralhadoras e mais de oitenta granadas de morteiro por minuto. Sobre isso, versa uma das muitas bem-humoradas músicas de guerra dos nossos pracinhas: “Subindo ao monte/ Eu encontrei Sinhá Lurdinha/ Tava toda afobadinha/ Querendo me pegar/ Joguei-me ao solo/ E comecei a rastejá-la/ Farejava, farejava/ Mas nada de me encontrar”. Tornando ainda mais tensa a situação, os abrigos, casamatas e trincheiras da companhia alemã eram magistralmente camuflados, enquanto suas armas contavam com quebra-chamas de funcionamento adequado.
Por isso, os brasileiros atiravam na direção geral das tropas inimigas, realizando tiros de precisão apenas ao avistar o “branco dos olhos” dos soldados. Em certos relatos, destaca-se que os soldados atiravam apenas pelo vulto, sem nunca chegarem a ver os alemães.
“Mas quando você chegava no topo do morro que você via a cobra fumar. Quer dizer, você não ia nem para a frente, nem para trás. Se ia para trás, você morria; se ia para a frente, você morria. Então, você deita aqui, vai de lá, vai daqui, vai de lá e sabe como é que é. Você vê que estão os feridos lá na frente, você não pode ir buscar. Eles não respeitavam a cruz vermelha! Bom, aí quando foi seis horas da tarde, cessou o fogo. Aí começaram a trazer os feridos, depois daí vai no primeiro pronto-socorro. No bombardeio, se der para tirar a gente, vai tirando, né? Se não, fica até o final, não tem condição. Rastejando, ia pegar. Lá, o observador do inimigo, ele marcou o ponto, eles tinham por número, alça alta, alça curta, então eles bombardeavam. E, quando eles localizavam um tanque, então firmavam a alça, aí começavam a bombardear aquele perímetro lá. Depois tinha um lá, um soldado, que ele tava quase sem perna, ele tava dentro do buraco e ele chorava. Eu não posso nem contar… Ele tinha a fotografia da filha dele, né, e falou: ‘Mario, essa aqui é minha filha’, né, que nasceu e depois eles mandaram para ele lá. Aí levaram ele pro pronto-socorro, o primeiro, depois não vi mais nada. Se ele morreu, não morreu, não sei de nada. Em Monte Castello, quando a turma ficou lá, essa infantaria que tava dominando essa planície não podia nem ir pra frente. Se levantasse para subir o morro, e chegou a ocupar uns cem, 150 metros da encosta do morro, mas se fosse pra frente, o alemão metralhava; se levantasse pra retirar, o alemão metralhava do mesmo jeito.” (Mario Este, depoimento colhido por César Campiani Maximiano em 1999)
Um depoimento do pracinha Américo Vicentini, colhido pelo mesmo Maximiano, dá relato de uma companhia “de duzentos homens” que avançou, tendo retornado apenas seu capitão.
No meio do confronto, um lamentável acontecimento tem espaço. Perto das três horas da tarde, com o ataque em pleno curso, combates acesos e os alemães seriamente ameaçados, uma coluna brasileira recebe fogo intenso por uma das companhias da 10ª Divisão Americana. Desnorteada, a unidade americana atravessou a linha de ataque brasileira, desconhecendo a posição das forças no terreno e confundindo os alemães com os brasileiros, que nem mesmo estavam a utilizar o uniforme verde. Este acontecimento dizimou um soldado brasileiro e reteve temporariamente o ataque ao Monte Castello. O general Mascarenhas de Morais, ao relatar a batalha, descreveu este evento como “alguma balbúrdia”, como um incidente banal e sem importância…
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O Monte Castello foi tomado precisamente ao início das 18 horas. O contra-ataque alemão foi feroz contra todas as posições ocupadas pelos brasileiros: só no Monte Castello, mais de mil granadas caíram entre o restante do dia 21 e o longo do dia 22. O vale de La Serra, localizado logo atrás do Monte, foi alvo do contra-ataque da Infantaria alemã.
Rememoremos, portanto, este evento, que tornou-se um símbolo da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, combatendo os totalitarismos nazifascistas. Recordemos, por fim, acima de todas as questões doutrinárias, os dizeres de Plínio Salgado, ao colocar os interesses nacionais acima de qualquer plano ideológico:
“Não pode existir defesa nacional, numa Nação cujos filhos, colocando acima dos supremos interesses da Pátria histórica e tradicional, uma ideologia qualquer — seja ela qual for — manifestem simpatia por um povo estrangeiro, revelem entusiasmo por uma Nação exótica e estendam a mão aos traidores, isto é àqueles que não se envergonham de servir aos apetites de uma tirania que tem sistematicamente destruído a independência e a dignidade de outros povos.”
Cumpre, ainda, ressaltar todos os méritos estatísticos da 1ª DIE da Nação Brasileira no front, classificando-se esta em um dos mais altos níveis de atrito de combate, com longo período de ação militar, comparável apenas aos mesmos índices da 1ª Divisão de Fuzileiros Navais no Pacífico.
Finalizemos este texto, invocando os trechos de um samba expedicionário, e, em nós, o mesmo espírito que animou aqueles bravos patriotas:
Haveremos sempre de lutar
Por tua liberdade, é nosso dever!
Teu povo jamais suportará
Que alguém te ofenda, sem castigo merecer
E assim defenderemos
A tua bandeira
Hoje e amanhã
Sempre com prazer!
Oh, meu Brasil!
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