Armas

MiG-21: o caça soviético mais produzido da história

0
MiG-21: o caça soviético mais produzido da história
MiG-21: o caça soviético mais produzido da história

O MiG-21, também chamado Mikoyan-Gurevich MiG-21 ou Fishbed, é um ícone dos céus. Rápido, simples e feroz, ele marcou gerações. Aqui você vai entender sua origem, suas variantes e como voou em guerras reais, do design às modernizações.

Vamos explorar seus upgrades, motor e armamentos, com exemplos de táticas e adversários. No fim, você verá por que o caça ainda influencia a aviação e a cultura. Prepare-se para uma viagem direta, clara e cheia de boas histórias.

Origem do Mikoyan-Gurevich MiG-21: design, contexto e inovação

Sobre o Vale do Rio Vermelho, 1967, um par de MiG-21 mergulha da cobertura de nuvens como agulhas prateadas. Guiados por controle de solo, aceleram, travam alvos por segundos e disparam R-3S Atoll antes de sumirem em pós-combustão. É o retrato de uma doutrina: ataque relâmpago, economia de exposição e confiança no vetoramento de radar em terra — uma dança de precisão em céus saturados de artilharia antiaérea e aviões pesados de bombardeio tático.

Os pilotos vietnamitas aprenderam a explorar a altitude e o tempo a seu favor. Com pouco combustível e poucos mísseis, o Fishbed exigia disciplina espartana: subir, atacar, ir embora. Contra F-105 e depois F-4, a tática de “bateu e correu” forçava o adversário a combater onde o MiG era mais perigoso — curto, leve e difícil de ver. Não por acaso, os americanos responderam com astúcia. Em 2 de janeiro de 1967, Robin Olds encenou a Operação Bolo: F-4 voando rotas e perfis dos F-105 para atrair a interceptação. Quando os MiG-21 morderam a isca, encontraram Phantoms prontos para a briga. A lição? No ar, a estratégia se aperfeiçoa por imitação e contragolpe.

No Oriente Médio, o Fishbed mostrou outra face. Em 1973, sob o guarda-chuva de mísseis SAM, MiG-21 egípcios e sírios conseguiram impor respeito nos primeiros dias. O ambiente era quase um tabuleiro de xadrez eletrônico: radares de solo sustentando interceptações curtas, contra Mirages e Phantoms israelenses que buscavam desarticular a rede. À medida que Israel desmontou a cobertura de SAM e forçou combates aéreos mais longos, a vantagem voltou para quem tinha mais alcance de combustível, mísseis melhores e treinamento intensivo. O MiG, quando arrancado de seu ecossistema de apoio, perdia parte do feitiço.

Na Índia, o MiG-21 ganhou aura de velha raposa. Em 1971, os FL e MF se chocaram com F-104 Starfighter e Sabres, e as narrativas locais celebram interceptações rápidas e ataques a baixa altura contra pistas paquistanesas. O pequeno caça soviético virou sinônimo de prontidão: decolava de bases rústicas, operava com manutenção espartana e cumpria a velha máxima — quem chega primeiro e vê primeiro, vence. Décadas depois, modernizado como Bison, levou radar novo, capacete com mira e mísseis mais confiáveis, um corpo de 1950 com nervos de 2000. Não virou milagre, mas alongou a vida útil com dignidade.

De todas as arenas, emergem lições que valem mais que o brilho da pós-combustão. O MiG-21 funcionava como peça de um sistema: radar em terra, disciplina de vetoramento e pilotos adestrados para o instante decisivo. Onde o ecossistema estava íntegro, ele punia distrações; onde faltava rede e combustível de tempo, dobrava-se à persistência e ao alcance dos adversários. A reação ocidental — criação de escolas como a Top Gun, retorno do canhão no Phantom, táticas de formação mais flexíveis — nasceu, em parte, dessas cicatrizes.

No balanço, o Fishbed não foi o cavalo de corrida mais elegante, e sim o burro de carga veloz da Guerra Fria: barato, numeroso e teimoso. Em combate, ensinou que plataforma importa, mas contexto manda; que simplicidade aliada a bons sensores (mesmo que em terra) pode desarrumar forças maiores; e que modernizações certeiras — tema que se conecta às variantes e à aviónica — prolongam relevâncias. Seu legado, que atravessa museus, memórias e até a cultura pop, será melhor entendido quando olharmos também para o motor, os armamentos e as histórias de quem o pilotou sob pressa, calor e contramedidas. No fim, o MiG-21 é isso: um lembrete de que, no céu, eficiência humilde muitas vezes derruba pretensões supersônicas.

Variantes e upgrades do MiG-21: das primeiras séries ao Bison

Madrugada gelada em Zhukovsky, fim dos anos 1950. Um protótipo de linhas limpas, nariz cônico e asas em delta ganha a pista como quem pede passagem na história. O que viria a ser o MiG-21 nasceu para um duelo claro: deter bombardeiros estratégicos que carregavam a nova gramática do poder, a nuclear. Sob Khrushchov, a palavra de ordem era cortar excessos e apostar no que fosse direto ao ponto. Interceptar rápido, decolar de bases simples, depender do radar em terra para guiar o golpe. Era o câmbio da era dos ases para a era das redes.

O desenho do MiG foi a síntese pragmática do momento soviético. A asa em delta oferecia estrutura forte, altas velocidades e um perfil fino, com custo: pousos mais exigentes e energia preservada por manobras cuidadosas. O nariz com tomada de ar e cone móvel não era só estética; era solução para domar o choque sônico e, ao mesmo tempo, um limite para a eletrônica da época, reduzindo o tamanho do radar de bordo. Por isso, as primeiras versões do MiG-21 operavam como flechas guiadas por voz e números vindos das estações de controle em solo. O conjunto homem-máquina-rede foi pensado desde o berço.

Havia rivais e referências no espelho. Na França, o Mirage III refinava a elegância do delta com uma ergonomia quase artesanal. Nos Estados Unidos, o F-104 seguia a filosofia do míssil com piloto, asas minúsculas e pistas impecáveis. O MiG seguiu outra trilha: robusto, barato de manter, amigável para turnos longos de mecânicos formados às pressas. Não era um salão de Paris; era oficina de guerra. Tanto que a simplicidade rendeu apelidos carinhosos entre pilotos: um foguete com rodas que fazia o serviço sem reclamar.

O contexto geopolítico apressou o desenho a se tornar política pública. Padronizar um caça no Pacto de Varsóvia significava treinar doutrinas comuns, abastecer arsenais com peças intercambiáveis e dispersar unidades por pistas menores. A Índia viria a produzir o modelo sob licença, e o mundo veria versões locais chinesas mais tarde. Essa difusão, que hoje chamamos de escala, foi meio projeto técnico e meio diplomacia industrial. Cada lote de MiG-21 que saía da linha era também uma mensagem de alinhamento estratégico.

Há uma curiosidade que ajuda a entender o casamento entre célula e armamento. No fim dos anos 1950, a análise de um míssil ocidental capturado inspirou o desenvolvimento do K-13, o Atoll, que encaixou como luva na filosofia do caça: ataque curto, orientação por infravermelho, decisão em segundos. A aeronave não foi desenhada para duelos longos e cavaleirescos; ela era, desde a origem, um instrumento para marcar hora e lugar do encontro, com apoio de radares em terra e economia de combustível como dogma.

Assim, a gênese do MiG-21 explica as páginas seguintes deste dossiê. As variantes e upgrades foram respostas a limites claros do projeto inicial, da aviónica apertada no nariz à sede de desempenho do motor. As táticas de combate nasceram do casamento entre simplicidade e rede. E o legado cultural, de museus a filmes, só se sustenta porque essa máquina traduziu uma época: um mundo que trocava bravatas individuais por sistemas integrados. No fim das contas, ele provou que eficiência sem afetação pode atravessar décadas — e, às vezes, ensinar mais do que um manual grosso.

MiG-21 Fishbed em combate: táticas, adversários e lições

A cena se repete em bases diferentes e décadas distintas: mecânicos agachados sob o ventre magro, tampas abertas como guelras, o Tumansky ainda quente exalando cheiro de querosene e metal. No MiG-21 bis, o R-25-300 oferecia um truque de feira respeitável — um modo de emergência que rendia alguns minutos de empuxo extra. Era como dar um sprint no fim da subida: ganhava-se altura e distância, ao preço de fadiga no motor e preces silenciosas do sargento de manutenção. Antes dele, o R-11 e o R-13-300 cumpriram seu papel com sobriedade soviética: sem glamour, mas com entrega confiável.

O segredo do desempenho sempre morou no casamento entre célula leve e motor nervoso. A asa em delta guardava energia em curvas rápidas, porém cobrava em pousos e decolagens com mão firme. Em números puros, o MiG-21 subia com vigor e cortava o ar com pós-combustão brilhando como solda elétrica. Em missões curtas, era um foguete de bolso; em trajetos longos, tornava-se aluno aplicado que precisava do professor — o controle de solo — soprando coordenadas no ouvido.

E é aí que a aviónica conta a história por dentro. O espaço do nariz tomado pela tomada de ar impôs radomes pequenos e radares modestos. As famílias RP-21 e RP-22, conhecidas no Ocidente como Spin Scan e Jay Bird, enxergavam o bastante para interceptar sob guia em terra, mas não eram oráculos. A consciência situacional vinha do sistema: estações de GCI, disciplina de vetoramento, RWR simples (SPO-10, depois versões mais modernas) e, com o tempo, dispensadores de chaff e flare. Em bom português, o MiG-21 brilhou quando voou em bando com seus radares de solo; sozinho, perdia audição e, às vezes, o rumo da conversa.

No armamento, a evolução foi um espelho da experiência. As primeiras variantes sem canhão confiavam nos mísseis K-13 (R-3S), filhos de uma leitura atenta do AIM-9 ocidental capturado. Funcionavam bem quando o alvo oferecia calor e perfil limpo; do contrário, era como pescar com isca fria. Vieram o R-13M e o R-60, este último uma navalha de bolso para brigas de curta distância. E o canhão voltou — GSh-23L de 23 mm — seja em casulo, seja integrado nas versões mais tardias. O retorno do ferro foi lição de vida: quando o céu vira briga de bar, ter uma boa “direita” resolve.

As modernizações contaram o resto da saga. Pacotes como o Bison indiano enxertaram radar Kopyo, HMD, HOTAS e integração de mísseis modernos — R-73 com mira no capacete e, em algumas células, o R-77 para além do alcance visual. O resultado não transformou o pequeno caça em cavalo de corrida de quinta geração, mas lhe deu novos olhos e dentes. Nos exercícios, o velho aluno, agora com óculos novos, passou a ler melhor a lousa e a responder antes do colega distraído. Ainda assim, física é física: autonomia curta e boca de ar no nariz continuam ditando limites.

Desempenho real, portanto, é a soma de virtudes e contexto. O motor empresta o fôlego, a aviónica dá a visão, o armamento decide a frase final — e o ecossistema costura tudo. Entender isso explica por que as variantes e upgrades buscaram aliviar pontos de estrangulamento, por que as táticas de “bateu e correu” fizeram tanto sentido e por que o legado cultural do Fishbed atravessou a Guerra Fria como um refrão teimoso. No fim, o MiG-21 é o clássico que não se aposentou: afinado aqui, reforçado ali, ele continua lembrando que eficiência honesta, bem apoiada, costuma derrubar pretensão alta demais.

Aviónica, motor e armamentos do MiG-21: desempenho real

Aviónica, motor e armamentos do MiG-21: desempenho real

No pátio congelado de Gorky, um MiG-21 F-13 recém-pintado aguardava o voo de aceitação quando um engenheiro, casaco grosso e lápis atrás da orelha, resumiu a filosofia do projeto: “rápido de fabricar, rápido de consertar, rápido para subir”. A primeira leva era enxuta de avionics e focada no essencial — a flecha sem ornamentos. Logo viriam as versões com radar mais capaz, como as PF e PFM, abrindo caminho para a família MF, que se tornaria o feijão com arroz de meia humanidade na Guerra Fria.

Os soviéticos, práticos como poucos, trataram a evolução do tipo como quem ajusta uma ferramenta de oficina. Faltava perna? Criou-se a famosa “corcova” da versão SMT para carregar mais combustível. Exageraram. A carenagem dorsal aumentou arrasto, o centro de gravidade mudou de humor, e muitos SMT acabaram retrabalhados para padrões mais equilibrados. A solução definitiva viria com o bis, motor R-25 mais parrudo e sistemas um pouco mais organizados — um pacote que deu ao MiG-21 aquela sensação de carro antigo revisado: ainda barulhento, mas obediente.

Enquanto Moscou polia as bordas, o mundo tratava de moldar o caça à própria imagem. A Índia montou e depois fabricou sob licença, transformando o Fishbed em patrimônio nacional. Nos anos 1990-2000, nasceu o Bison: radar novo, mira no capacete, integração de mísseis modernos e uma cabine que finalmente conversava com o piloto sem gritos. A Romênia, num pós-Guerra Fria de orçamento curto e ambição grande, encomendou ao consórcio local e a parceiros israelenses o Lancer: cockpit de vidro, novos sensores e uma filosofia de “faça mais com o que já tem”. Não virou caça de quinta geração — nem prometia —, mas alongou a vida útil com elegância e planilha no azul.

A China seguiu rota própria. O J-7, derivado do MiG-21, amadureceu em asas e eletrônica ao longo de décadas, respondendo a necessidades regionais com soluções locais. Ali a lição foi outra: um desenho simples, quando cai nas mãos de uma indústria que aprende rápido, vira plataforma escolar e, depois, produto com sotaque próprio. Para quem olha de longe, é fácil perder nuances; para quem voou e manteve, cada antena, cada pylon, cada painel conta uma história de tentativa e erro.

Há anedotas que cabem num manual de sobrevivência. Instrutores juravam que o biplace UM ensinava humildade: “Se você pousou bonitinho hoje, agradeça ao Delta e ao santo da sua devoção”. Mecânicos lembram do hábito de checar a fiação com luva de pano e paciência — o velho adágio soviético de que simplicidade boa é aquela que aceita a realidade do tempo e do clima. Essas memórias explicam por que as variantes não são apenas letras: são ajustes finos entre doutrina, geografia e bolso.

Em termos de combate, cada salto de variante puxou mudanças táticas. O MF consolidou a interceptação assistida por solo; o bis segurou melhor a briga no curto alcance; os pacotes de upgrade (Bison, Lancer e congêneres) devolveram consciência situacional e dentes mais afiados. Nada disso anulou limites crônicos — autonomia curta e nariz ocupado pela tomada de ar —, mas redesenhou a conversa com o inimigo. Em exercícios, o Bison mostrou que, com bons sensores e treino, um veterano pode surpreender gente mais nova. Não é milagre; é coerência entre célula, aviónica e doutrina.

No fim, o mosaico de variantes conta a biografia de uma ideia duradoura. O MiG-21 nasceu como interceptador austero e virou canivete de bolso do século XX: simples o bastante para proliferar, maleável o bastante para evoluir. Essa maleabilidade costura este dossiê com os demais temas — da origem austera às lições de combate, da avionics apertada às modernizações — e explica seu lugar no imaginário: um clássico funcional que, a cada “letra” adicionada, aprendeu a falar a língua do tempo.

Legado do caça MiG-21 na aviação militar e na cultura

No gramado de uma antiga base em Bucareste, um MiG-21 convertido em guardião de portão acumula flores no pedestal. Veteranos param, encostam a mão na fuselagem fria e contam histórias de decolagens noturnas, gelo na viseira e a voz do controlador no ouvido. Em Nova Délhi, crianças disputam selfie diante do Type 77 que carrega marcas de vitórias de 1971. Não é só um avião: é um relicário de um século nervoso, quando a geopolítica cabia em asas delta e um nariz cônico.

Seu legado militar começa pela democratização do poder aéreo. O MiG-21 ofereceu a dezenas de países a promessa de velocidade supersônica, manutenção parcimoniosa e uma doutrina baseada em redes de solo. Para os alinhados a Moscou — e para os não alinhados que precisavam de prontidão —, ele funcionou como um “Fusca supersônico”: barato de operar, robusto, com peça em qualquer esquina estratégica. A Índia transformou essa ideia em política industrial, produzindo localmente e, décadas depois, alongando a vida com o Bison. A China, com o J-7, deu sotaque próprio ao desenho, exportando-o como passaporte de autonomia regional.

Do outro lado do mundo, o pequeno delta virou espelho incômodo. O confronto com o MiG-21 acelerou a reinvenção ocidental: o retorno do canhão ao Phantom, o nascimento de escolas como a Top Gun, a criação de esquadrões agressors e até programas discretos de avaliação de aeronaves soviéticas. Em termos simples, o Fishbed obrigou o adversário a estudar melhor geometria de combate, consciência situacional e integração de sensores — temas que ecoam quando falamos de aviónica, motor e armamentos, e ajudam a entender as escolhas das variantes.

No imaginário popular, o MiG virou figurante recorrente de cartazes, filmes, vitrines de maquetes e murais de esquadrões. Cidades no Leste Europeu e na Ásia adotaram o delta como monumento do cotidiano, quase um tótem industrial: lembra o esforço coletivo de mecânicos, controladores e pilotos que fizeram a máquina funcionar em pistas ásperas, sob frio siberiano ou poeira desértica. Há humor nas memórias — “o foguete com rodas” —, mas também ternura: poucos caças foram tão fotografados por quem não é do meio.

O pós-vida do Fishbed é igualmente eloquente. Alguns exemplares ganharam cockpit de vidro, novos radares e mísseis de última geração, provando que uma célula honesta aceita bem enxertos modernos. Outros migraram para museus, coleções privadas e ares de airshows, ensinando história com cheiro de querosene. E há os que descansam em cemitérios de metal, onde a ferrugem conta a mesma lição de sempre: tecnologia é ponte entre doutrina e economia, e o MiG-21 cruzou essa ponte por mais tempo do que esperavam seus próprios projetistas.

No fim, seu legado costura todos os capítulos deste dossiê: a origem austera que moldou táticas, as variantes que corrigiram limites, a aviónica que dependia da rede e o desempenho que pedia mão firme. O Fishbed não foi o herói de capa esvoaçante, mas o operário pontual — e talvez por isso permaneça. Num século que confundiu brilho com substância, ele lembrou que eficiência, repetida dia após dia, também faz história.

O céu sempre foi um espaço político, e o MiG-21 transformou velocidade em política pública. Ao distribuir capacidade supersônica por dezenas de bandeiras, ele provou que poder aéreo podia ser padronizado e escalável, quase burocrático. Isso teve preço e dividendos: regimes ganharam soberania performática, indústrias aprenderam a produzir e manter, e uma geração de pilotos passou a ver o combate como serviço em rede, não como duelo romântico. Entre memoriais e hangares, o Fishbed deixou um traço social discreto e persistente: comunidades inteiras se organizaram em torno de pistas ásperas, peças sobressalentes e turnos noturnos de manutenção, como quem mantém acesa a luz de um posto avançado do Estado.

Do ponto de vista estratégico, o legado é desconfortavelmente atual. O MiG-21 foi um guerreiro centrado em rede antes de a expressão virar moda: interceptação guiada do solo, disciplina de vetoramento, esforço coordenado. A lição valeria para qualquer orçamento apertado de hoje: mais do que colecionar sensores e promessas, importa integrar, treinar e sustentar. A plataforma certa sem ecossistema é bravata; a plataforma modesta com ecossistema atento é argumento.

Politicamente, o Fishbed mostrou como armamento vira gramática de alianças. Licenciamento na Índia, derivações chinesas, pacotes de modernização romenos: cada versão dizia algo sobre autonomia, dependência e negociação internacional. Ao comprar um caça, muita gente achou que levava aço e querosene; levou também doutrina, cadeias de suprimento e compromissos de longo prazo. Nesse sentido, o MiG-21 foi menos um produto e mais uma instituição: mediou relações entre Estado, indústria e Força Aérea, com impactos que ainda se veem na cultura operacional e na economia política da defesa.

Se há uma moral nessa trajetória, ela é esta: tecnologia é meio, não fim. Em tempos de encantamento com plataformas milagrosas, a pergunta incômoda permanece à espera na cabeceira da pista: quem vence a próxima disputa, o avião que brilha sozinho ou a organização que não faz barulho e funciona todos os dias? A resposta, como o MiG ensinou, costuma nascer longe dos holofotes — na rede, no treinamento e na logística que ninguém aplaude, mas que decide a história.

undefined

Por que o MiG-21 foi produzido em quantidades tão grandes?

Porque uniu política, pragmatismo industrial e doutrina clara. Entrou em serviço no fim de 1959, quando Moscou buscava padronizar o Pacto de Varsóvia com um interceptador simples, barato e fácil de manter. O MiG-21 podia ser fabricado em ritmo de linha de montagem, operava em pistas modestas e casava com a tática de vetoramento por radar em terra. Resultado: mais de 11 mil células soviéticas ao longo das décadas de 1960-1980, além de produção sob licença e derivativos, como o J-7 chinês, que prolongou a linhagem por muito tempo. Em termos estratégicos, ele democratizou a velocidade supersônica para aliados e não alinhados, servindo como moeda diplomática e alicerce de treinamento comum.

O MiG-21 era realmente eficaz em combate ou sua fama é exagero?

Foi eficaz quando jogou no seu terreno: interceptações curtas, guiado por controle de solo, com disciplina de combustível. No Vietnã, entre 1966 e 1968, ele colheu vitórias rápidas sobre F-105 e F-4 ao adotar a tática do “bateu e correu”. A resposta americana veio com astúcia: em 2 de janeiro de 1967, Robin Olds conduziu a Operação Bolo, atraindo MiG-21 para uma emboscada de Phantoms — uma reviravolta que mostrou como táticas evoluem por imitação e contragolpe. No Oriente Médio, em 1973, egípcios e sírios tiveram bons resultados sob um denso guarda-chuva de SAM; quando Israel desorganizou essa rede, o MiG perdeu parte do encanto. Na Índia, em 1971, a aeronave virou símbolo de prontidão, operando de bases rústicas com ataques rápidos e interceptações oportunas. Ou seja: onde o ecossistema (radares, treino, logística) estava afinado, o Fishbed punia; sem ele, ficava exposto a limitações de radar e autonomia.

Como o MiG-21 se comparava a rivais como o Mirage III e o F-4 Phantom?

O trio reflete filosofias distintas. O Mirage III francês apostou na elegância do delta com radar no nariz e excelente desempenho em alta velocidade — um duelista limpo, caro e refinado. O F-4 americano era uma plataforma de sensores e mísseis, pesada, com grande autonomia e dois tripulantes, ideal para missões longas e BVR (embora tenha redescoberto o canhão depois). O MiG-21 foi a via espartana: célula leve, nariz com tomada de ar que limitava o tamanho do radar, mas manutenção simples e custos contidos. Em combate curto, com GCI eficiente, ele mordia forte; em brigas longas e complexas, corria atrás de fôlego e consciência situacional. Não há “melhor absoluto”: há coerência entre avião, doutrina e cenário.

Quais variantes do MiG-21 marcaram época e por quê?

Três marcos ajudam a entender a árvore genealógica. O F-13, dos anos 1960, sintetizava a ideia original: leve, direto ao ponto, focado em interceptação curta. O MF, já na segunda metade da década, trouxe radar mais capaz e consolidou o padrão de exportação, tornando-se o “feijão com arroz” de muitas forças aéreas. O bis, no início dos anos 1970, adicionou o motor R-25 com impulso extra de emergência e melhorias de sistema, dando mais fôlego no curto alcance. Houve tentativas ousadas, como o SMT, com a “corcova” de combustível — boa intenção, efeitos colaterais de arrasto e centro de gravidade —, muitas vezes revertidas. E, depois da Guerra Fria, os upgrades: Lancer (Romênia) e Bison (Índia) enxertaram aviónica moderna, HUD, HMD e integração de mísseis atuais, provando que uma célula honesta podia ganhar novos olhos e dentes.

Por que o desenho com tomada de ar no nariz limitou a aviónica do MiG-21?

Porque o duto frontal e o cone móvel para lidar com o choque sônico ocupam o espaço onde, em outros caças, vai um grande radome. Isso reduziu o volume disponível para antenas e eletrônica, obrigando a usar radares menores (como RP-21 e RP-22) e a confiar na rede de solo para interceptações. Foi uma escolha coerente com a doutrina soviética de GCI: o MiG-21 seria a flecha; quem daria direção seria a “tribo” no chão. O custo veio em consciência situacional limitada quando operava sozinho, comparado a plataformas ocidentais com antenas maiores e dois tripulantes para dividir a carga de trabalho.

É verdade que o míssil K-13 Atoll foi inspirado no Sidewinder americano?

Sim, e essa é uma das grandes anedotas técnicas da Guerra Fria. Em 1958, durante a crise do Estreito de Taiwan, um AIM-9B atingiu um caça, não explodiu e ficou praticamente intacto. O artefato foi parar nas mãos chinesas e, depois, soviéticas. Engenheiros de Moscou estudaram a peça e desenvolveram o K-13 (R-3S), que se tornou o parceiro típico do MiG-21 nas primeiras fases. Era um míssil de busca por infravermelho, eficiente contra alvos quentes e em setores favoráveis, mas exigente em geometria de tiro. A evolução posterior — R-13M e R-60 — refinou a capacidade de curto alcance, e, já nas modernizações, vieram integrações com R-73 e até R-77 em algumas frotas.

Clique para classificar este post!
[Total: 0 Média: 0]
Lane Mello
Fundador e Editor da Fatos Militares. Jovem mineiro, apaixonado por História, futebol e Games, Dedica seu tempo livre para fazer matérias ao site.

MiG-29: o caça russo da Guerra Fria

Previous article

HMS Dreadnought: o navio que revolucionou as marinhas

Next article

Comments

Comments are closed.